Órgão que fiscaliza Ministério Público enfrenta resistência

Punições do Conselho Nacional do Ministério Público são derrubadas pelo STF

Conselho tem orçamento pequeno: R$ 10 mi, contra R$ 122 mi do CNJ, e ainda não possui banco de dados com ações contra procuradores

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Criado em 2004 para exercer o controle externo do Ministério Público, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) é uma espécie de xerife sem munição que não sabe o que acontece nas suas barbas. O órgão é pouco conhecido, enfrenta resistências e sua atuação deixa a desejar, até para os que aprovam seu funcionamento.

"A cúpula do CNMP não tem a menor ideia do que acontece nos Estados", diz o procurador da República Celso Três, de Santa Catarina. Ele acha "um escândalo" o conselho ainda não ter instituído correições obrigatórias (visitas periódicas dos corregedores às unidades) e critica "a passividade" diante do "descalabro salarial nos Ministérios Públicos estaduais".

Três diz que, em Santa Catarina, todos os promotores recebem auxílio-moradia, e, no Rio de Janeiro, há promotores ganhando até R$ 36 mil mensais.

O secretário-geral do CNMP, procurador da República José Adércio Sampaio, admite que o órgão já tentou checar a informação de que, para driblar o teto, em alguns Estados promotores recebem dois contracheques, o oficial e o paralelo.

Cabe ao CNMP zelar pela boa gestão e administração financeira do Ministério Público dos Estados e da União (inclui os Ministérios Públicos Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal). Deve controlar a conduta funcional dos membros dessas instituições. Mas não há um sistema disciplinar único. Leis estaduais variam sobre o que pode e o que não pode ser alvo de penalidades.

O CNMP pretende dar unidade a instituições que travam disputas entre si. Deve coibir excessos de promotores e procuradores que têm autonomia e independência garantidas pela Constituição de 1988, o que gera fortes resistências.

O CNMP não tem um banco de dados sobre ações civis e criminais contra membros do Ministério Público, sugestão feita em 2007 pela procuradora Janice Ascari, então conselheira.

Supremo
Punições disciplinares do CNMP costumam ser derrubadas com mandados de segurança no Supremo Tribunal Federal. Entre junho de 2005 e junho de 2009, foram autuados 84 processos disciplinares e julgados 66. Houve sanções em sete casos. No período, foram movidos 82 processos no STF questionando atos do CNMP.

"Se o contribuinte arca com os custos do Ministério Público e do Poder Judiciário, por que deve arcar também com os custos de mais um órgão cujas decisões todas podem ser revistas pelo Judiciário?", pergunta Fernando Nucci, procurador de Justiça em São Paulo.

O CNMP já expediu 43 resoluções. O próprio ex-presidente do conselho, o então procurador-geral da República Antonio Fernando Souza, ajuizou nove ações no Supremo, questionando a constitucionalidade de várias dessas decisões.

Finalmente, o CNMP não põe fé nas informações que recebe de muitas instituições que deve controlar. O relatório da Corregedoria Nacional do Ministério Público revela que, em 2008, oito Ministérios Públicos estaduais não fizeram nenhuma correição. A listagem também não cita nenhuma correição da Procuradoria, sob a alegação de que não há padronização e consistência nas informações de suas unidades.

"O papel do Ministério Público é fundamental, mas reconheço que é mais difícil captar dados no Ministério Público do que no Judiciário", diz a pesquisadora Maria Tereza Sadek. Ela considera o CNMP "um órgão apagado" e, de certa forma, a reboque do CNJ.

"As resoluções, quase todas, são cópias das resoluções do CNJ", diz o promotor Nucci.
O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, José Carlos Cosenzo, destaca "as resoluções regulamentando o controle externo da atividade policial, o combate ao nepotismo e a transparência na gestão e nos concursos de ingresso, além de um apurado exame das decisões das corregedorias". Critica a falta de estrutura do órgão.

Primo pobre do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o CNMP tem orçamento de apenas R$ 10 milhões (em comparação com R$ 122 milhões do CNJ). O CNMP tem só três cargos em comissão, com custo de R$ 8.300 mensais. O CNJ tem 81, com custo de R$ 565,1 mil.

Até o ano passado, o CNMP funcionava numa sala na Procuradoria Geral da República. Alugou, por R$ 70 mil mensais, dois blocos num centro empresarial no Lago Sul, área mais sofisticada de Brasília.

Nos dias de sessão, os conselheiros do CNMP que residem em outros Estados dispõem de sete veículos Sentra (Nissan) e três Marea (Fiat).

Outro lado
O procurador da República José Adércio Leite Sampaio, secretário-geral do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), refuta a principal crítica ao conselho: "Não é verdade que haja um número grande de arquivamentos de processos disciplinares".

Ele diz que "algumas pessoas se sentem frustradas, porque imaginaram que o CNMP viesse controlar a atuação do Ministério Público na sua atividade-fim --por exemplo, se um procurador denuncia demais".

"Quando chega uma representação contra alguém do Ministério Público de um Estado, instaura-se o procedimento aqui, mas se verifica se o caso está sendo investigado na origem. É feita a remessa para a corregedoria de origem e há o acompanhamento pelo CNMP. Do ponto de vista técnico, há o arquivamento aqui", diz. "Ninguém está aqui para tapar o sol com a peneira."

Correições
Sobre as correições em 2008, diz que algumas Promotorias estaduais passaram informações só "para cumprir a obrigação". "O dado pode não ser o real, era o que tínhamos em mãos. A Procuradoria não prestou a informação, porque não tem os dados consistentes."

Ele diz que "há uma prática de correição na Procuradoria, mas é episódica", e admite que "alguns Estados têm regulamentação em matéria de correição muito melhor do que no Ministério Público Federal".

Ele atribui o questionamento da constitucionalidade de resoluções à pluralidade do conselho: "O CNMP tem uma composição heterogênea. Naquela vontade de criar um mecanismo, termina-se invadindo a questão da atividade-fim".

Ele discorda da hipótese do conselho único: "Em alguns países, como a Argentina, existe um só conselho [do Judiciário e do Ministério Público]. O problema é que no Brasil a realidade é diferente. São órgãos com estruturas autônomas".

Sampaio cita as disparidades entre o CNMP e o CNJ: na mesma época, foram apresentados projetos de lei para criação de 40 cargos de comissão no conselho do Ministério Público e 43 no conselho do Judiciário. Um veto presidencial reduziu a proposta do CNMP para apenas três cargos. O CNJ teve aprovados os 43 cargos.

"A maior contribuição do CNMP será no planejamento, para diminuir as disparidades e evitar a competição institucional entre os Ministérios Públicos. O conselho quer que as pessoas se enxerguem como pertencentes a um único Ministério Público", diz.

Sampaio aposta na criação do Portal da Transparência, prevendo que as Promotorias estaduais e a Procuradoria da União colocarão no site informações sobre subsídios ou vencimentos de seus membros. "Todas as sessões do CNMP são públicas, colocadas na internet ao vivo", diz.

Sobre o aluguel da sede no Lago Sul, em Brasília, diz que todo o conselho funcionava numa sala da Procuradoria Geral da República. "Procuramos [um local] no setor de autarquias, no miolo de Brasília, mas o aluguel lá é três vezes o valor do aluguel daqui."

Em relação à frota de veículos, o secretário-geral afirma que o conselho "conseguiu um preço bom, porque a aquisição foi feita com carros" da Procuradoria. "São carros utilizados apenas quando os conselheiros estão aqui."

(Texto extraído do Jornal Folha de São Paulo, edição de 06/07/09)